Direito de greve do servidor público: como funciona no Brasil?

O direito de greve é um dos pilares fundamentais da democracia, permitindo que os trabalhadores reivindiquem melhores condições de trabalho e exerçam sua liberdade sindical. 

No Brasil, esse direito é assegurado tanto para os trabalhadores do setor privado quanto para os servidores públicos. 

No entanto, quando se trata do direito de greve do servidor público, a situação é mais complexa e envolve questões legais, ausência de regulamentações específicas e implicações diversas. 

Neste artigo, vamos entender o direito de greve do servidor público no Brasil, abordando sua base legal, regulamentações, limitações e implicações.

Vamos lá?

O que a lei diz sobre o direito de greve do servidor público?

O direito de greve dos servidores públicos no Brasil encontra seu fundamento na Constituição Federal de 1988. 

Embora a Constituição não contenha uma regulamentação específica sobre o tema, o artigo 37, inciso VII, estabelece que o direito à greve pode ser garantido nos termos e limites fixados em lei específica. 

Isso significa que, embora o direito à greve seja reconhecido, sua regulamentação depende de legislação posterior.

Nesse sentido, apesar do reconhecimento constitucional do direito de greve dos servidores públicos, a falta de uma lei específica que o regulamente gerou incertezas e desafios ao longo dos anos. 

Dessa forma, a ausência de regulamentação levou a diversas interpretações e questionamentos sobre como o direito de greve deveria ser exercido por esses trabalhadores.

Já para os empregados do setor privado, a garantia do direito à greve fica estabelecida pelo art. 9º da Constituição Federal de 1988, tal como também pode ser observado nas diretrizes do artigo 1º, da Lei 7.793/1989 — que disciplina o direito de greve dos empregados  e define, dentre outros assuntos, a manutenção das atividades essenciais à população.

O Papel do Supremo Tribunal Federal (STF)

Devido à falta de regulamentação, o Supremo Tribunal Federal (STF) teve que tomar decisões importantes sobre o direito de greve dos servidores públicos. 

Assim sendo, o STF reconheceu a legalidade da greve dos servidores e estabeleceu que, até que haja regulamentação específica, o direito à greve pode ser exercido de acordo com os termos estabelecidos pelo próprio tribunal.

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4 Implicações do direito de greve do servidor público

A greve dos servidores públicos têm implicações significativas, não apenas para os próprios trabalhadores, mas também para a sociedade e a prestação de serviços públicos. 

Sendo assim, existem algumas implicações a serem consideradas:

1) Serviços essenciais

Alguns serviços públicos são considerados essenciais e não podem ser paralisados completamente durante uma greve. 

O artigo 10, da  Lei de Greve (Lei 7.783/89) lista os serviços essenciais, que incluem água, energia elétrica, assistência médica, transporte coletivo, telecomunicações e outros. 

A definição de serviços essenciais é crucial para garantir que as necessidades básicas da população sejam atendidas mesmo durante o período da greve.

2) Funcionamento mínimo

O princípio da continuidade dos serviços públicos é fundamental durante uma greve. 

Os grevistas devem respeitar a manutenção de um funcionamento mínimo para garantir que os serviços essenciais não sejam interrompidos de forma prejudicial à população. 

Em geral, estabeleceu-se que cerca de 30% dos servidores devem permanecer em atividade para cumprir essa exigência.

3) Contratação de serviços

Para garantir a continuidade dos serviços públicos essenciais, a Administração Pública tem o direito de contratar serviços diretamente, caso uma greve possa causar sérios prejuízos. 

Essa medida visa assegurar que a população não seja afetada negativamente, especialmente em situações críticas.

4) Penalidades e Abusos

Embora o direito de greve seja garantido, abusos ou excessos durante uma greve podem resultar em penalidades para os grevistas.

É fundamental que a manifestação de greve seja organizada e pacífica, e que uma parcela mínima de servidores permaneça em atividade para garantir os serviços essenciais.

Particularidades do direito de greve do servidor público

O direito de greve do servidor público apresenta particularidades para alguns tipos de servidores, como os de cargo comissionado e os servidores em estágio probatório. 

Para que você entenda melhor, veja os detalhes:

Servidores em Estágio Probatório

Uma questão importante é como o direito de greve se aplica aos servidores em estágio probatório, ou seja, aqueles que ainda não obtiveram estabilidade em seus cargos públicos. 

É fundamental entender que esses servidores têm os mesmos direitos que os servidores efetivos, e sua participação em movimentos grevistas não deve impactar negativamente sua avaliação. 

O estágio probatório é uma avaliação de aptidão para o trabalho e não deve ser afetado pelo exercício legítimo do direito de greve.

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Servidores Comissionados

Os servidores em funções comissionadas, embora tenham os mesmos direitos de greve que os servidores efetivos, não possuem garantia de estabilidade no cargo. 

Isso significa que podem ser dispensados a qualquer momento, mesmo que participem de uma greve. 

No entanto, se a exoneração for motivada apenas pela participação em um movimento grevista, o servidor prejudicado pode buscar reparação por meio de ações judiciais.

Instrução Normativa 54/2021

Em maio de 2021, a Secretaria de Gestão e Desempenho de Pessoal (SGP) do Ministério da Economia emitiu a Instrução Normativa 54/2021. 

Veja o que ela diz na íntegra:

Art. 1º Esta Instrução Normativa dispõe sobre os critérios e procedimentos gerais a serem observados pelos órgãos e entidades integrantes do Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal – SIPEC, nas situações de paralisação decorrentes do exercício do direito de greve, para o desconto da remuneração correspondente aos dias de paralisação e para elaboração do respectivo Termo de Acordo para compensação de horas não trabalhadas, aplicáveis aos servidores públicos em exercício nos órgãos e entidades integrantes do Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional do Poder Executivo federal.

Obrigação de informar a ocorrência de greve

Art. 2º Os órgãos e entidades do SIPEC deverão informar à Secretaria de Gestão e Desempenho de Pessoal do Ministério da Economia, e manter atualizadas as ocorrências de paralisação parcial ou total das atividades, relatando o número de aderentes, a data de início e a data final da paralisação, por meio do Sistema Eletrônico de Registro de Greve – SERG, localizado no domínio “gestao.planejamento.gov.br/greve”, onde efetivarão o registro das informações solicitadas.

Regras aplicáveis

Art. 3º A Administração Pública Federal deve proceder ao desconto da remuneração correspondente aos dias de paralisação decorrentes do exercício do direito de greve pelos servidores públicos.

§ 1º Constatada a ausência do servidor ao trabalho por motivo de paralisação decorrente do exercício do direito de greve, os órgãos e entidades integrantes do SIPEC deverão processar o desconto da remuneração correspondente e proceder ao seu registro no assentamento funcional do servidor.

§ 2º Caso o órgão ou entidade integrante do SIPEC ainda não tenha aderido ao sistema de controle eletrônico diário de frequência integrado, deverá realizar levantamento em sistema próprio, para fins de disponibilização ao órgão central das informações necessárias para a efetivação do desconto de que trata o §1º.

Art. 4º Facultativamente, os órgãos e entidades integrantes do SIPEC, desde que atendido o interesse público, poderão firmar Termo de Acordo para permitir a compensação das horas não trabalhadas pelos servidores e a devolução dos valores já descontados a esse título, desde que com anuência do órgão central de SIPEC.

§ 1º O Termo de Acordo deverá estabelecer a forma de compensação das horas não trabalhadas.

§ 2º A compensação ocorrerá no início ou no final do expediente, sem prejuízo do cumprimento da jornada de trabalho a que estiver sujeito o servidor e dentro do horário de funcionamento da unidade.

§ 3º As horas não trabalhadas em virtude de paralisação decorrente do exercício do direito de greve deverão ser repostas prioritariamente em relação a outras compensações a que o servidor esteja obrigado a realizar.

Art. 5º O Termo de Acordo somente poderá ser estabelecido se a motivação da greve tiver conexão com aspectos abrangidos pelas relações de trabalho, no âmbito da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional.

§ 1º O órgão ou entidade integrante do SIPEC afetado pela paralisação encaminhará cópia da minuta de Termo de Acordo de que trata o caput ao órgão central do SIPEC para análise e deliberação prévias.

§ 2º Quando se tratar de órgão seccional, a minuta do Termo de Acordo deve ser, prévia e obrigatoriamente, remetida ao órgão setorial a que estiver vinculado, a quem incumbirá adotar as providências estabelecidas no § 1º.

§ 3º A minuta de Termo de Acordo para a compensação de horas não trabalhadas decorrentes do exercício do direito de greve deverá conter as seguintes informações mínimas, seguindo o modelo Anexo a esta Instrução Normativa:

I – comprovação de que o órgão ou entidade do SIPEC foi previamente notificado, com antecedência mínima de 48 (quarenta e oito) horas, acerca do movimento grevista;

II – indicação da data de início e data de término da paralisação;

III – número de servidores, por dia, que aderiram à paralisação;

IV – quantidade de horas que deverão ser objeto da pretendida compensação;

V – indicação da data de início e data de término da compensação das horas não trabalhadas; e

VI – plano de trabalho de reposição das horas não trabalhadas, contendo metas quantificáveis a serem cumpridas.

§ 4º O órgão central do SIPEC declarará, no prazo de 30 (trinta) dias após o recebimento da minuta, a sua concordância ou discordância em relação à minuta de Termo de Acordo, podendo sugerir ajustes na proposta de compensação.

Art. 6 O Termo de Acordo para compensação das horas não trabalhadas deverá ser assinado pela autoridade máxima do órgão ou entidade integrante do SIPEC e pelo representante da entidade representativa dos servidores.

Parágrafo único. A competência de que trata o caput poderá ser delegada ao Secretário-Executivo ou autoridade equivalente do órgão ou entidade integrante do SIPEC.

Art. 7º Firmado o Termo de Acordo e iniciado o seu cumprimento, os órgãos e entidades integrantes do SIPEC deverão ajustar posteriormente à compensação das horas não trabalhadas, os registros de assentamento funcional e proceder à restituição das horas compensadas, na razão da quantidade de horas não trabalhadas que já tenham sido efetivamente compensadas, após o processamento da folha.

Parágrafo único. Na hipótese de descumprimento do Termo de Acordo, os órgãos e entidades integrantes do SIPEC não processarão a devolução dos valores correspondentes, mantendo-se os registros de falta por motivo de greve ou paralisação das horas previstas para serem compensadas.

Art. 8º É de responsabilidade da autoridade responsável pela gestão de pessoas dos órgãos setoriais e seccionais integrantes do SIPEC a fiscalização do fiel cumprimento do Termo de Acordo.

Parágrafo único. Após o término da execução do Termo de Acordo, os órgãos setoriais e seccionais deverão enviar ao órgão central do SIPEC ateste dos gestores responsáveis pela respectiva Unidade Organizacional certificando:

I – que os trabalhos de reposição foram executados, nos termos acordados; e

II – qual a quantidade de horas não trabalhadas foi efetivamente compensada.

Vigência

Art. 9º Esta Instrução Normativa entra em vigor em 1º de julho de 2021.

Como você pode ver, esta norma trouxe novos critérios e procedimentos relacionados à remuneração dos servidores federais durante a greve. 

Nesse sentido, alguns dos principais pontos incluem:

  • Desconto da remuneração durante a paralisação do serviço público.
  • Registro da ausência do servidor no assentamento funcional.
  • Exceção ao desconto salarial em casos de greve motivada por conduta ilícita da Administração Pública Federal.
  • Possibilidade de acordos para compensação das horas não trabalhadas.
  • Prioridade na reposição das horas não trabalhadas em relação a outras compensações obrigatórias.

Dessa forma, os servidores devem seguir essa norma quando se tratar das remunerações e regras sobre ausência no período de greve.

Conclusão

O direito de greve do servidor público no Brasil é um tema complexo e em constante evolução. 

Embora reconhecido pela Constituição Federal, a falta de regulamentação específica levou a desafios e debates ao longo dos anos. 

Neste ponto, o julgamento do STF em relação à ausência de legislação sobre o direito de greve do servidor público, fundamentalmente, garantiu  que os servidores públicos possam exercer seu direito de greve de maneira legal e organizada.

É essencial lembrar que a greve dos servidores públicos não afeta apenas os próprios trabalhadores, mas também a sociedade e a prestação de serviços públicos essenciais. 

Portanto, é importante encontrar um equilíbrio entre o exercício legítimo do direito de greve e a manutenção dos serviços essenciais para o bem-estar da população.

À medida que o cenário legal e as regulamentações continuam a evoluir, é fundamental que os servidores públicos e as autoridades estejam cientes das regras e procedimentos aplicáveis ao direito de greve, garantindo assim um exercício responsável desse direito fundamental na democracia brasileira.

Agnaldo Bastos
Agnaldo Bastos

Advogado especialista em ajudar candidatos de concursos públicos que sofrem injustiças e, também, servidores públicos perante atos ilegais praticados pela Administração Pública, atuando em Processo Administrativo Disciplinar (PAD) e em Ações de Ato de Improbidade Administrativa.

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